24 de agosto de 2015

100 Melhores Personagens de Filmes - Nº 1



Filme: Fight Club
Actor: Brad Pitt

por Miguel Pontares

Líder por natureza. 
Anti-consumismo. Nietzschiano. Revolucionário. 
Imaginário.

    É irónico que, depois de 99 personagens, o número 1 seja alguém que, de facto, não existe. 
  Tyler Durden é a personagem mais completa e fascinante que o Cinema já produziu, afirmando ser tudo aquilo que queremos ser mas não podemos (All the ways you wish you could be, that's me. I look like you wanna look, I fuck like you wanna fuck, I am smart, capable, and most importantly, I am free in all the ways that you are not).

    A manifestação da perturbação de identidade dissociativa do narrador (Edward Norton) explode carisma por todos os lados. Antes de o conhecermos pela primeira vez formalmente, no avião, vemo-lo por 6 vezes: 4 flashes que podemos não identificar se piscarmos os olhos naquele momento exacto, num anúncio televisivo e, bem mais declaradamente, no tapete rolante. Tyler faz e vende sabonete (concebido através de gordura humana), trabalha como projeccionista divertindo-se ao inserir frames impróprios, e urina nas sopas que serve enquanto empregado num hotel de luxo. Está longe de ser um exemplo, sendo inclusive um perigo quando o Fight Club se transforma no Projecto Mayhem -  quando a inspiração vira extremismo, anarquismo.
    Anda pela casa de bicicleta. Veste-se de forma esquisita, mas consegue sempre ter estilo. Sempre. Se pudesse lutar com alguém escolheria o seu pai, Hemingway ou Abraham Lincoln. É um ídolo que irradia confiança, capaz de envolver qualquer um com os seus grandes momentos/ discursos.
    Em 'Fight Club', o filme em que há pelo menos um copo de Starbucks em cada cena, a mensagem é sempre transmitida por Tyler Durden. Tanto a obra de Palahniuk (que, caso raro, defendeu que o filme era melhor que o seu livro; apenas li o livro já depois de ver o filme, e é menos ingrato fazer comparações quando ocorre o inverso) como, por consequência, o filme de Fincher defendem a emancipação espiritual, o grito de revolta contra uma Sociedade materialista, pré-formatada ou programada. Servem de metáfora para o risco, para a procura do sonho mesmo que seja um erro, tropeçando enquanto se rema contra uma maré de conformismo.
    Para além de todos os traços da personagem - a sua loucura cativante, ser o id cool e hedonista do inconsciente do narrador - e fazendo todas as vénias deste mundo à dinâmica da dupla Brad Pitt/ Edward Norton, pode-se dizer que há 4 momentos-chave que entregam o 1.º lugar deste Top-100 a Tyler Durden. É capaz de resultar dar-lhes uns nomes, à Quentin Tarantino:

    - 8 Regras: Na cave, o clube de combate rege-se por oito regras. Primeiro, não falar sobre o Fight Club. Segundo, não falar sobre o Fight Club! Terceiro, se alguém gritar "Pára!" ou desistir, o combate acaba. Quarta regra, dois lutadores de cada vez. Quinta regra, um combate de cada vez. Sexta, nada de camisas e sapatos. Sétima, as lutas duram o tempo que tiverem que durar. E a oitava e última regra: se esta for a vossa primeira noite no clube, têm de lutar. As 8 regras colocam ordem numa iniciativa que pretende apenas servir de escape, uma nova Igreja para os participantes, convidados a "sentir" algo. Mas mais do que as 8 regras, que ajudam 'Fight Club' a materializar-se como filme de culto, Tyler odeia o consumismo que padroniza comportamentos e pensamentos - diz "The things you own, end up owning you", e acrescenta mais tarde que não somos o nosso trabalho, não somos o dinheiro que temos no banco, não somos o carro que conduzimos ou o conteúdo da nossa carteira.

    - Queimadura contra Deus: A cena que os pais de Brad Pitt não foram capazes de ver. Durden queima a mão do narrador "Jack" com químicos e, enquanto este exaspera, dá-lhe um sermão. Tyler diz-lhe que sem dor e sem sacrifício não teríamos nada, promovendo a renúncia a Deus, porque no seu entender devemos considerar a possibilidade dele nos odiar e de sermos os seus filhos indesejados. A sua lição final desse capítulo é que só depois de perdermos tudo é que ficamos livres para conquistar qualquer coisa.

    - O Veterinário: Poucas vezes aclamado, é talvez o momento mais positivo e altruísta da personagem. Durden desloca-se a uma loja de conveniência e, nas traseiras, obriga o empregado, um jovem asiático, a colocar-se de joelhos, apontando-lhe uma arma à cabeça. Ameaça-o fazendo-o revelar-lhe aquilo que ele queria realmente ser (um veterinário), e obriga-o a perseguir esse sonho nas seis semanas seguintes, ficando-lhe com a carta de condução como caução até confirmar que ele fora atrás do seu sonho. "Amanhã vai ser o dia mais bonito da vida de Raymond K. Hessel". O facto da arma estar descarregada e a parte traseira de uma porta que mais tarde se vê em casa de Tyler com múltiplas cartas de condução, acrescenta valor a este momento.

    - A Melhor Cena de Sempre: despe o casaco vermelho, e fica em t-shirt branca. Tem a palavra Tyler Durden: Man, I see in fight club the strongest and smartest men who've ever lived. I see all this potential, and I see squandering. God damn it, an entire generation pumping gas, waiting tables; slaves with white collars. Advertising has us chasing cars and clothes, working jobs we hate so we can buy shit we don't need. We're the middle children of history, man. No purpose or place. We have no Great War. No Great Depression. Our Great War's a spiritual war... our Great Depression is our lives. We've all been raised on television to believe that one day we'd all be millionaires, and movie gods, and rock stars (olhando para a personagem de Jared Leto). But we won't. And we're slowly learning that fact. And we're very, very pissed off.
    O discurso lendário chegaria só por si, mas depois há isto. Não bastava o discurso sobre o potencial desperdiçado de uma geração, não chegava a gargalhada antecessora do Joker de Ledger enquanto é agredido pelo dono do bar, Lou. Quando parece K.O., Tyler Durden atira-se a Lou, tosse e cospe sangue sobre ele, agita o rosto ensanguentado enquanto ri louco e desesperado para que a causa e o Clube continuem de pé, exigindo a palavra do dono do bar. 
    O melhor momento da melhor personagem e melhor papel de Brad Pitt, uma cena doentia e impressionante, capaz de tornar uma simples frase como "You don't know where I've been, Lou" uma das minhas preferidas de todo o Cinema que consumi. Às vezes diz-se muito com pouco.

    Soltem os Pixies e o seu "Where is My Mind", porque Tyler Durden merece ser rei. Cem personagens depois, a aventura termina. 
    Muito Obrigado. E.. até já.

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Nota Editorial: A compilação/ organização e ordem das personagens deste Top é responsabilidade de Miguel Pontares e Tiago Moreira. Os textos tiveram a colaboração de Daniel Machado, Lorena Wildering, Nuno Cunha, Sara Antunes Santos e Carolina Moreira.
Foram tidos em consideração filmes lançados até 20 de Novembro de 2014. Mais informamos que poderão existir spoilers relativos às personagens e/ ou aos filmes que elas integram, passíveis de constar na defesa e caracterização de cada uma das 100 personagens.

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