22 de junho de 2015

100 Melhores Personagens de Filmes - Nº 25



Filme: The Prestige
Actor: Christian Bale

por Miguel Pontares

Estão a prestar atenção? 
Qualquer truque de magia é composto por três partes, ou actos.
    A Prova: o mágico mostra-vos algo comum. Um baralho de cartas, um pássaro ou um homem. Ele mostra-vos este objecto, e talvez vos peça que o inspeccionem para se assegurarem que é real, inalterado, normal. Mas provavelmente não é.
    A Volta: o mágico pega no comum e faz algo extraordinário com ele. Vocês procuram o segredo, mas não o descobrem, porque não estão realmente à procura. Não querem realmente sabê-lo. Querem ser enganados. Mas ninguém bate palmas, porque fazer algo desaparecer não é suficiente, é preciso trazê-lo de volta. É por isso que todos os truques de magia têm um terceiro acto, a parte mais difícil, a que chamamos O Prestígio.

    Se me dessem a oportunidade de ter escrito 3 argumentos da História do Cinema, escolheria sem ter que pensar muito '12 Angry Men', 'Fight Club' e 'The Prestige'. Por diferentes motivos, claro. No 3.º caso, este terceiro passo, pela inteligência com que os irmãos Christopher e Jonathan Nolan souberam adaptar (e melhorar) a obra ficcional de Christopher Priest, fazendo com que cada palavra que é dita se torne valiosa, enchendo-se de significado à posteriori, e transformando o filme em si no verdadeiro número de magia.
    Quem não viu o filme, não leia mais antes de o ver. Porque Alfred Borden, como outras personagens destas 100 - entre os já apresentados, por exemplo Aaron Stampler, Keyser Soze ou Leonard Shelby - perde impacto quando sujeito a spoilers. 'The Prestige' ilude o espectador à medida que a narrativa segue o caminho que Alfred Borden (Christian Bale) e Robert Angier (Hugh Jackman) tomam para se poderem afirmar melhor mágico do que o outro.
    Quando os aprendizes Borden e Angier visitam um mágico chinês, Borden percebe que só o compromisso total e o sacrifício podem conduzir ao truque perfeito. A morte da mulher de Angier, Julia, atiça a rivalidade dos dois, que seguem caminhos diferentes mas igualmente ambiciosos. Borden torna-se "O Professor", contando com o seu ajudante Fallon e casando-se com Sarah, da qual tem uma filha. E Angier, um showman por excelência que assume o nome artístico "O Grande Danton" colabora com Olivia (Scarlett Johansson), Cutter (Michael Caine) e com um duplo seu nos seus espectáculos, mais espampanantes e bem montados, mas aos quais falta a magia pura de Borden.
    Com avanços e recuos no tempo - ou não fosse um filme do dono do tempo Christopher Nolan - tanto Borden como Angier percebem aquilo que têm que fazer para se superiorizarem ao outro. Borden cria o truque perfeito, O Homem Transportado; o que leva Angier a recorrer à ciência e a Tesla para adquirir uma suposta máquina de tele-transporte (ou clonagem) que julga ser o segredo do rival. Pelo meio, Olivia acaba por se apaixonar por Borden, numa altura em que a sua mulher Sarah já se suicidou por ter descoberto a essência do truque do marido.
    "O Verdadeiro Homem Transportado", de Angier, torna-se o grande destaque em Londres, até ao dia em que Borden faz parte da audiência, acabando preso e condenado à morte por matar Angier, trancado e afogado numa caixa cheia de água. A timeline de Nolan não tem nada de confuso, mas a verdadeira magia do realizador, o melhor contador de histórias da actualidade, está em conseguir enganar os espectadores, porque como Cutter nos diz inicialmente e reforça no fim, queremos ser enganados. 'The Prestige' resume-se em última instância à dicotomia Ciência Vs Magia, e é muito melhor interpretar o filme desacreditando as capacidades da máquina de Tesla...
    Sobre Alfred Borden não nos ficam dúvidas. Consciente dos sacrifícios necessários para ser o melhor mágico, ele e Fallon (que é na realidade o seu irmão gémeo, caracterizado) dividem a mesma vida. Um ama Sarah, o outro ama Olivia, e quando um perde dois dedos o outro corta-os também propositadamente. No fim, o que morre enforcado é aquele que ama Olivia, sobrevivendo aquele que tinha uma filha e amava Sarah. A noção de total compromisso, privação e sacrifício em nome de algo maior é o que torna Alfred Borden uma grande personagem, um verdadeiro segredo, sacrificando-se inclusive um dos gémeos para imortalizar uma ilusão que na verdade era uma realidade. Numa 2.ª ou 3.ª visualização do filme é possível distinguir, por várias pistas, que Borden está em cena. 
    Relativamente ao filme em si, que nos obriga a uma concentração e maior processamento de informação característicos dos filmes de Nolan, há quem queira interpretar Fallon como um clone de Alfred depois deste usar a máquina de Tesla. No entanto, o filme e a história ganham um gosto especial se não acreditarmos que a máquina funcione. A duplicação de gatos e chapéus pode ser vista como uma encenação de Tesla, e sabendo o espectador que Angier tem um duplo, a verdade é que a única vez em que vemos de facto a máquina funcionar é quando Angier conta o seu "segredo" a Borden à beira de morrer. Portanto, ou Angier aka Lord Caldow consegue sair por cima, enganando Borden inclusive, ou então a sua máquina funcionou de facto, algo que é a leitura simples e imediata no pós-primeira visualização, e coleccionou homicídios, como nos é feito querer à primeira vista.
    Mas nós queremos ser enganados, e do outro lado há alguem (Borden, Angier, Nolan, Priest) que quer apenas fazer-nos imaginar, pensar, duvidar, acreditar, inspirar.
    De uma maneira ou de outra, o sacrifício é o preço de um bom truque. É isso que nos mostra Alfred Borden, a personagem que é a soma de duas meias vidas. Ele viveu o seu truque, e é por isso que ele está aqui.

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Nota Editorial: A compilação/ organização e ordem das personagens deste Top é responsabilidade de Miguel Pontares e Tiago Moreira. Os textos tiveram a colaboração de Daniel Machado, Lorena Wildering, Nuno Cunha, Sara Antunes Santos e Carolina Moreira.
Foram tidos em consideração filmes lançados até 20 de Novembro de 2014. Mais informamos que poderão existir spoilers relativos às personagens e/ ou aos filmes que elas integram, passíveis de constar na defesa e caracterização de cada uma das 100 personagens.

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